PRECE, o universal pelo regional

Por Nonato Furtado
“Se queres ser universal começa por pintar a tua Aldeia.”
Leon Tolstoi
Sempre que reflito sobre a história do Programa de Educação em Células Cooperativas - PRECE, me vêm à mente diversas ilustrações da literatura. Assim, tento fugir de um romantismo cego que não enxerga nada além daquilo que uma visão idealizante permite. Dessa forma, relaciono nossa história à luta, à resistência e, principalmente, ao esforço contra hegemônico de luta contra as desigualdades sociais.
Essa reflexão toma como mote a famigerada frase de Leon Tolstoi, em epígrafe. Nela, o autor aconselha ao artista que tem a intenção de ser universal, de abordar as questões do mundo, que comece pela sua aldeia. Isso é bem nítido quando lemos Drummond que cantou Minas e Itabira, João Cabral que apresenta a terra seca de Pernambuco, Érico Veríssimo com o Rio Grande do Sul, Rachel de Queiroz e Patativa do Assaré que apresentam ao mundo as dores e angústias do nosso querido Ceará. Existem muitas discordâncias em relação a essa frase de Tolstoi, mas ela pode ilustrar algo que nasceu na nossa aldeia (Cipó/Pentecoste) e que caminha em muitas direções.
Os que acompanharam a reunião na sede da FETRAECE, sábado, dia 14/11/09, noite que antecedeu a primeira fase do vestibular da UFC, e o tradicional café da manhã do dia 15/11/09, dia da prova, podem entender melhor o que irei falar. Estavam presentes ali vários estudantes de diversas cidades: General Sampaio, Apuiarés, Umirim, Paracuru, Paramoti, Fortaleza e Pentecoste. Alguns da sede desses municípios e muitos outros da zona rural. Eram muitos rostos que representam muitas famílias, histórias, vivências que se somam na concretização de sonhos.
Estava refletindo com um grupo de universitários ali presentes que os estudantes que vem para prestar vestibular, são cada ano, mais novos, mais elétricos. Além disso, o grupo cresce mais e mais, e torna-se cada vez mais plural. São sujeitos desse novo momento histórico do PRECE, relacionados a esse contexto histórico, à revelia de possíveis determinismos sociais, caminhando rumo à universidade, rumo à realização de seus sonhos, rumo ao mundo. Levando consigo muitos de seus valores e dos valores de seu tempo e de suas aldeias.
Essas aldeias são símbolos de um regionalismo que, por sua vez, se opõe ao universalismo. Quando falamos em regional, poderíamos dar várias definições, mas ficamos com aquela que o classifica como a soma dos costumes, do cotidiano, da cultura, das crendices e da linguagem de uma região. O universal seria o geral, que abrange tudo, que se aplica a tudo, que provém de tudo ou de todos, que é o mesmo em todas as partes, de todo o mundo. Nessa perspectiva, a seca, a desertificação, seriam aspectos regionais. De outro lado, a solidão, a injustiça e o amor, seriam aspectos universais.
Nesses 15 anos de PRECE, as nossas Escolas Populares Cooperativas – EPC’s dramatizam, em seus momentos de vivências, a dialética universal-regional. É do idealizador da UFC, professor Antonio Martins Filho o lema ou concepção: “o universal pelo regional”. Ele afirmou: “Como Universidade cultivamos o saber. Como Universidade do Ceará servimos ao meio. Realizamos assim o UNIVERSAL PELO REGIONAL.” O PRECE segue essa concepção, oportunizando aos universitários de diferentes cidades que retornem todos os finais de semana para suas famílias e compartilhem aquilo que estão aprendendo na academia com suas respectivas comunidades. É nesse processo dialógico que universal e regional se aproximam, no retorno, no compartilhar de conhecimentos, de vivências, de sonhos. Isso é ritualizado todos os anos quando os universitários, no dia do vestibular, servem o café da manhã àqueles que irão fazer a prova. É uma forma de representar esse retorno, essa troca, essa cooperatividade, tão comuns nas práticas cotidianas do PRECE.
Concluo, refletindo a frase de um sociólogo espanhol, o jovem Pedro Pietro, que visitou outro dia o ciclo de debates “Construindo o município que queremos”, que é promovido pelo Movimento em Defesa da Escola Pública em Pentecoste. Em uma conversa, ele me disse: “Olha, agora vocês fazem o percurso Pentecoste-Fortaleza, todos os finais de semana, e trazem e trocam essas experiências com o pessoal daqui. Mas, vai chegar um dia em que vocês viajarão pelo mundo compartilhando essa experiência de vocês com muita gente por aí afora e retornarão para cá (Pentecoste) com outras tantas coisas interessantes para compartilhar.” Que possamos conhecer o mundo, mas sem nunca nos esquecermos da nossa terra e dos que aqui ficaram. Assim sendo, faço minhas as palavras do Tolstoi e tento ir do regional ao universal, mas nunca se esquecendo dos traços de minha paisagem provinciana.
Escrito em 16/11/09.
Labels
Notícia
Comente
Nenhum comentário :